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A INVENÇÃO TECNOLÓGICA DAS DOENÇAS E O DECLÍNIO DAS AUTÓPSIAS
(especial para SIIC © Derechos reservados)
Autor:
Carlos Eduardo Pompilio
Columnista Experto de SIIC

Institución:
Hospital Das Clínicas Da Faculdade De Medicina Da Universidade De Sao Paulo

Artículos publicados por Carlos Eduardo Pompilio 
Coautor Carlos Eduardo Pompilio* 
Médico, Hospital Das Clínicas Da Faculdade De Medicina Da Universidade De Sao Paulo, São Paulo, Brasil*


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Aprobación: 21 de octubre, 2008
Conclusión breve
Seria a causa da queda progressiva no número de autópsias uma mudança no conceito contemporâneo de doença?

Resumen



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Especialidades
Principal: Anatomía PatológicaMedicina Interna
Relacionadas: BioéticaEducación MédicaEpidemiología

Enviar correspondencia a:
Carlos Eduardo Pompilio, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Surgical Intensive Care Unit, Hospital das Clínicas, 01246-903, San Pablo, Brasil



A INVENÇÃO TECNOLÓGICA DAS DOENÇAS E O DECLÍNIO DAS AUTÓPSIAS

(especial para SIIC © Derechos reservados)
Artículo completo
Já há algumas décadas, a literatura médica vem se ocupando em manifestar o desconforto com a queda progressiva no número de autópsias realizadas, fenômeno que ocorre na Europa, nos Estados Unidos, na América Latina e também no Brasil. A queda é mesmo evidente em países nos quais a autópsia era obrigatória, caso da Hungria.
As razões para explicar esse fato vão desde os custos para realização, dificuldade em obter autorização da família, descrença dos médicos no procedimento em função dos avanços nos métodos diagnósticos, até o temor com relação às possíveis medidas legais decorrentes de discrepâncias entre a causa de morte e o tratamento realizado ou mesmo a inutilidade do procedimento. De fato, vários desses estudos apontam como o principal fator a atitude do médico, seja clínico ou patologista, frente ao procedimento.
Do total de óbitos ocorridos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP no período de 1996 a 2000, realizaram-se autópsias em 75,6% dos casos. Já no período de 2001-2006, em apenas 44,3% dos óbitos foi feita a verificação, excluindo-se pacientes com menos de 24 horas de internação e os pacientes do pronto-socorro. São números que se comparam aos de outros países. A nosso ver, a queda do número de autópsias e todas as razões aqui citadas como suas causas são, na verdade, consequências de uma mudança no conceito contemporâneo de doença.
O conceito de doença é quem na verdade operacionaliza a Medicina pois norteia seus procedimentos e abre caminho para pesquisas. Ao longo dos séculos, a Medicina tem se utilizado de diferentes conceitos de doença, muitos dos quais ao mesmo tempo (como por exemplo, a teoria infecciosa de Pasteur e o debate entre os defensores do conceito ontológico e fisiológico de doença no século XIX). Por essa razão, podemos dizer que a Medicina se utilizou de diferentes matrizes conceituais para entender o que seriam as enfermidades humanas. As matrizes conceituais por sua vez, inserem-se no tecido cultural da sociedade de cada época, se apoderando de discursos e conhecimentos das escolas de pensamento dominantes em cada período. Cada uma destas matrizes conceituais encarou o exame post-mortem de modos bastante diferentes. De fato, se a doença é concebida como um desarranjo entre humores circulantes (Hipócrates, Galeno) não faz sentido estudar um corpo inanimado; humores não circulam em cadáveres.
Entretanto, quando a doença é concebida como um distúrbio de elementos morfológicos do organismo, tais como seus orgãos (Morgagni), tecidos (Bichat) ou células (Virchow), “abrir alguns cadáveres” passa a ser aceitável, como explicou Foucault. Ele atribuiu a Bichat o novo olhar médico a procura do espaço de atuação da doença. Nesse novo paradigma, a autópsia desempenharia um papel essencial permitindo o surgimento da Medicina Moderna. Mas qual seria então, a matriz conceitual utilizada hoje? Por que dispensamos a autópsia como instrumento fundamental da visualização do espaço de atuação da doença? Que conceito de enfermidade nos utilizamos hoje para praticar e ensinar a Medicina? Hofmann argumenta que o conceito contemporâneo de doença é constituído tecnologicamente. Isso quer dizer, nas suas próprias palavras, que “a tecnologia fornece entidades fisiológicas, bioquímicas e morfológicas utilizadas para definir doenças. Ela constitui assim, a formação do conhecimento médico (…) e fortemente influencia os modelos explicativos das doenças bem como a taxonomia médica.”
As relações entre Medicina e Tecnologia remetem às relações entre a própria Ciência e a Tecnologia e são por demais complexas para uma abordagem aqui, pois demandariam um aprofundamento na epistemologia da ciência médica. A nós basta saber que a Medicina não ficou imune ao domínio que a Tecnociência impôs ao mundo ocidental. A invenção tecnológica da doença representaria, portanto, um novo paradigma. De acordo com esse modelo, não seria mais necessário dissecar cadáveres para correlacionar os achados patológicos à sintomatologia do paciente, tal como os médicos do século XIX começaram a fazer. Atualmente, bastaria checar imagens e exames laboratoriais pois muitos estados patológicos são agora definidos por esse tipo de procedimento.
A autópsia foi para a Medicina Moderna o que o acelerador de partículas foi para a Física teórica: um campo de estudo que possibilitou que o pensamento abstrato testasse suas idéias na prática, de modo que “a idéia fosse colada à coisa”. Com isso, a própria teoria corrige-se com os experimentos e avança em direção a uma nova compreensão dos fenômenos. É interessantíssimo notar também, o aquecido debate que vem ocorrendo nas revistas especializadas em Anatomia. Há uma corrente que advoga o uso da anatomia de superfície e cirúrgica, bem como dos métodos de imagem em substituição ao cadáver e até uma escola que se orgulha de ensinar anatomia sem qualquer uso de cadáveres. Esse fenômeno tem exatamente a mesma explicação: se a imagem da doença é dissociada do cadáver, a imagem da normalidade também o é. Faz muito mais sentido estudar a anatomia do vivo, seja na anatomia de superfície ou cirúrgica, seja através de exames de imagem. Seria então, a autópsia é um produto do cartesianismo? A queda no número de autópsias seria assim fruto da inadequação da matriz conceitual moderna à racionalidade médica contemporânea. Se essa matriz for pós-moderna, composta por bits, imagens e outros elementos virtuais, não haverá lugar para corpos.
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