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PARTICIPAÇÃO VOLUNTÁRIA EM UMA PESQUISA: PERSPECTIVAS DE MULHERES
(especial para SIIC © Derechos reservados)
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Autor:
Ellen Hardy
Columnista Experto de SIIC

Artículos publicados por Ellen Hardy 
Coautores Silvana Ferreira Bento* Maria José Duarte Osis** 
Assistente de Pesquisa, Campinas, Brasil*
Pesquisadora Sênior, PhD, Campinas, Brasil**


Recepción del artículo: 20 de diciembre, 2006
Aprobación: 31 de enero, 2007
Conclusión breve
O significado de aceitar ser voluntário(a) em uma pesquisa está permeado de implicações sociais no que se refere à vulnerabilidade dos potenciais sujeitos. O fato de reconhecer-se como cobaia não necessariamente é considerado negativo pelas voluntárias de um estudo.

Resumen

Em geral, os sujeitos de pesquisa pertencem aos estratos socioeconômicos menos favorecidos da população, especialmente quando os estudos são realizados em países em desenvolvimento. Objetivo: Apresentar a perspectiva de mulheres, que já participaram de um ensaio clínico, com relação ao significado de ser voluntária em uma pesquisa. Métodos: Foi realizado um estudo qualitativo com oito grupos em que participaram 51 mulheres. Utilizou-se um roteiro temático. A discussão em cada grupo foi gravada, após a autorização das mulheres. Realizou-se a análise temática de conteúdo. Resultados: As mulheres gostam de ser convidadas a participar de uma pesquisa porque é uma forma de aprender coisas novas; por causa do ressarcimento das despesas; para ajudar a ciência; porque o objeto de estudo vai ao encontro de uma necessidade delas. O ressarcimento foi enfatizado como um incentivo, motivando-as, a não deixar de comparecer às consultas de seguimento. Em alguns grupos foi dito que existe um "mito" de que quem participa de uma pesquisa é cobaia. Conclusão: O significado de aceitar ser voluntário(a) em uma pesquisa está permeado de implicações sociais, no que se refere à vulnerabilidade dos potenciais sujeitos, e que, não necessariamente, reconhecer-se como cobaia é visto pelas pessoas como algo negativo.

Palabras clave
ética em pesquisa, seres humanos, cobaia, vulnerabilidade, ressarcimento das despesas

Clasificación en siicsalud
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Especialidades
Principal: Medicina Interna
Relacionadas: BioéticaFarmacologíaMedicina FarmacéuticaMedicina LegalObstetricia y Ginecología

Enviar correspondencia a:
Ellen Hardy, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Departamento de Tocoginecologia, 13084-970, Campinas, Brasil


Patrocinio y reconocimiento
As autoras agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio financeiro (Processo: 03/11963-2). Ao Cemicamp, Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas, pela infra-estrutura de recursos humanos e materiais.
VOLUNTARY PARTICIPATION IN RESEARCH: WOMEN’S PERSPECTIVES

Abstract
In general, research subjects come from the least favored socioeconomic strata of the population, especially when research is carried out in developing countries. Objective: To present the perspective of women who already participated in a clinical trial, regarding what it means to be a volunteer in a study. Methods: A qualitative study was carried out with eight focus groups in which a total of 51 women participated. A thematic guide line was used. The discussion of each group was recorded with the authorization of the participants. A thematic analysis was carried out. Results: Women like to be invited to participate in a study because it allows them to acquire new knowledge; they are reimbursed for the expenses incurred; they help science; and because the "object" of the study is something that they want or need. Reimbursement was considered an incentive that motivated them to attend all the follow up visits required. In some groups it was said that according to a "myth" a person who participates in a study is a guinea pig. Conclusions: The meaning of accepting to be a volunteer in a study is permeated by social implications related to the vulnerability of possible subjects. The fact of admitting to be a guinea pig is not necessarily considered negative by study volunteers.


Key words
ethics in research, human subjects, guinea pigs, vulnerability, reimbursement of expenses


PARTICIPAÇÃO VOLUNTÁRIA EM UMA PESQUISA: PERSPECTIVAS DE MULHERES

(especial para SIIC © Derechos reservados)
Artículo completo
Introdução

Ao longo dos anos, tem havido preocupação da comunidade científica com relação às pesquisas envolvendo seres humanos. A partir dessa inquietação e de denúncias realizadas, foram elaborados vários documentos internacionais regulamentando esse tipo de pesquisa.1-4

No Brasil, está em vigor a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde5 que contém as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas que envolvem seres humanos. Esse documento também estabelece que todos os protocolos devem ser avaliados por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), cuja função é analisar os aspectos éticos e metodológicos dos mesmos.6 Se um protocolo pertencer a uma área temática especial (por exemplo, genética humana, reprodução humana e novos procedimentos por exemplo), depois de aprovado pelo CEP deve ser encaminhado para avaliação pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP.5

Apesar da regulamentação ética das pesquisas que envolvem seres humanos alguns aspectos são difíceis de controlar e têm produzido controvérsias. Este é o caso da vulnerabilidade dos possíveis sujeitos como fator que pode comprometer a sua autonomia de decidir participar ou não. Em geral, os sujeitos de pesquisa pertencem principalmente aos estratos socioeconômicos menos favorecidos da população, especialmente quando se trata de estudos realizados em países em desenvolvimento. Nesses casos, além da pobreza, as dificuldades de acesso aos serviços de saúde aumentam a vulnerabilidade dessas pessoas quando convidadas a participar de um projeto.7-9

Essa situação tem fomentado a discussão, tanto no meio científico e acadêmico quanto na sociedade em geral, com relação à situação socioeconômica das pessoas que são recrutadas como sujeitos. Alguns consideram que essas pessoas são tratadas como “cobaias”, principalmente quando as pesquisas são realizadas em países em desenvolvimento, pois não se respeitam seus direitos humanos e de cidadania.10,11 Outros, porém, discordam porque seriam respeitadas as normas éticas reguladoras das pesquisas, e se as pessoas assinam um termo de consentimento significa que o pesquisador estaria respeitando sua autonomia. Por essas razões não podem ser comparadas a animais de laboratório.12,13

Este artigo apresenta a perspectiva de mulheres, que já participaram de um ensaio clínico, com relação ao significado de ser voluntária em uma pesquisa.


Sujeitos e métodos

Realizou-se um estudo qualitativo usando a técnica de grupos focais.14 Foram feitos oito grupos focais nos quais participaram ao todo 51 mulheres selecionadas propositalmente. O número de grupos foi determinado pela saturação das informações.15 As mulheres tinham entre 18 e 49 anos de idade, residiam na Região Metropolitana de Campinas, e eram sujeitos ou haviam sido sujeitos de um ensaio clínico na área de saúde da mulher, nos 12 meses anteriores. Elas foram contatadas através de oito pesquisadores de um hospital universitário. Os pesquisadores entraram em contato com as mulheres e explicaram a nova pesquisa. Depois solicitaram a autorização de cada mulher para fornecer seu nome e telefone à pesquisadora responsável por esse estudo. As mulheres que aceitaram foram contatadas e convidadas a participar.

Visando sua homogeneidade16 os grupos focais foram formados com mulheres de idade (18 a 33 e 34 a 49 anos) e escolaridade (ensino fundamental [até oitava série] e acima dele) semelhantes.17 Foram realizados dois grupos com cada combinação de idade e escolaridade.

Para a realização dos grupos focais foi utilizado um roteiro temático pré-testado, elaborado a partir da literatura especializada e da experiência das pesquisadoras. Ao iniciar a discussão de cada grupo era solicitado que as participantes imaginassem que estavam sendo convidadas a participar de uma pesquisa sobre um método contraceptivo. O roteiro abordava questões como: o que gostavam quando convidadas a participarem de uma pesquisa, o que as estimulava a participar, quais informações gostariam de receber sobre o método contraceptivo, como achavam que essas informações deveriam ser dadas. A discussão em cada grupo foi gravada com autorização das mulheres. As fitas foram transcritas na íntegra e a transcrição foi conferida com as gravações. As transcrições foram inseridas no programa The Ethnograph v.5.018 para agilizar seu processamento e análise. Optou-se pela análise temática, identificando-se nas discussões dos grupos as unidades de significado relativas aos objetivos do estudo.19

Dado o objetivo deste estudo, não foi utilizado um Termo de Consentimento escrito e assinado porque seu conteúdo poderia sugerir respostas às perguntas feitas durante a discussão. Após a realização de cada grupo focal, as participantes receberam um Termo de Participação, assinado pela pesquisadora responsável, contendo as mesmas informações exigidas para o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.5 O protocolo foi aprovado pela Comissão de Pesquisa do Departamento de Tocoginecologia/CAISM e pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


Resultados

Razões para aceitar participar de uma pesquisa

Em geral, ficou evidenciado que as mulheres gostam de ser convidadas a participar de uma pesquisa. As razões para isso foram: porque é uma forma de se informar, de aprender coisas novas; pela ajuda de custo/ressarcimento das despesas; para ajudar a ciência; porque o objeto de estudo vai ao encontro de uma necessidade delas.


Aprender coisas novas

A participação em uma pesquisa foi vista como uma oportunidade de conhecer e aprender. No caso de se tratar de métodos contraceptivos, foi dito que as mulheres têm curiosidade de conhecer outros anticoncepcionais, pois, em geral, conhecem somente a pílula e o preservativo masculino.


M4 – “No meu caso eu gosto...

M5 – Eu gosto também, a gente aprende um pouquinho mais.

M1– Eu gosto, com a pesquisa a gente aprende mais coisa...

M3 – Aprende mais coisa.

M4 – Eu tenho curiosidade bastante de conhecer as coisas... Então tem mais curiosidade de conhecer, de aprender as coisas, no meu caso eu sou assim, eu sou curiosa”. (GF7)


Ao mesmo tempo, observou-se que as mulheres vislumbravam a possibilidade de superar as dificuldades de acesso a um leque maior de opções para regulação da fecundidade, o que tem sido observado por outros estudos realizados no Brasil.20,21


M3 – “A última [pesquisa] foi um modo de eu não engravidar mesmo, um meio que eu achei melhor, entendeu? Eu achei um método seguro também.

M1 – Ah [resolvi participar], porque eu não queria mais tomar pílula, nada por boca, não queria tomar mais nada.

M2 – ... Eu estava procurando alguma coisa que fosse garantido para eu não engravidar agora e o anticoncepcional [pílula] me dá muita dor no estômago. Então fiquei sabendo da vizinha que comunicou que estava colocando esse método. Eu tinha até visto para colocar um particular [pagando], mas era muito carinho...

M5 – Bom, eu usava o XX [método usado em uma outra pesquisa] e até fiquei seis anos com ele e não me dei bem. Eu vim aqui e fiquei sabendo, ... no mesmo dia eu coloquei já está com quase dois anos. Eu estou gostando do novo [método]”. (GF2)


Ressarcimento

O ressarcimento das despesas ou ajuda custo recebida para participar de uma pesquisa foi bastante enfatizado pelas mulheres como um incentivo para aceitar participar, motivando-as, inclusive, a não deixar de comparecer às consultas de seguimento requeridas.


[O que motivou vocês a participarem?]

[Várias] “O dinheiro [risos]

M2 – Ah! Claro, o mais legal é o dinheiro.

M4 – A necessidade de cada um né”. (GF8)

M4 – “Olha, vou falar uma coisa para você, é primeiro pela ajuda de custo, entendeu? Porque era R$350, entendeu?...” (GF4)


No Brasil, o valor do ressarcimento não pode ser significativo a ponto de interferir na decisão da pessoa aceitar participar ou por configurar pagamento pela participação.22 Segundo a Resolução 196/96, o valor do ressarcimento deve cobrir exclusivamente as despesas decorrentes da participação da pessoa na pesquisa. Também determina que o pesquisador deverá explicitar o valor e a forma que isto será feito, no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.5 O CEP é o responsável por avaliar se essa quantia é adequada ou não,22 o que, não raramente, gera controvérsias sobre se o valor oferecido, em comparação com as condições socioeconômicas das pessoas, não acaba sendo um incentivo para participar.8,9,23,24

O incentivo que significa o ressarcimento pode fazer com que algumas vezes as pessoas omitam alguma informação que as impediria de serem aceitas no estudo.25 A associação entre o risco envolvido, o pagamento em dinheiro e a vontade das pessoas aceitarem participar de uma pesquisa foi avaliado entre estudantes de uma escola de farmácia,25 Os resultados sugeriram que o oferecimento de quantidades maiores de dinheiro fazia com que as pessoas tivessem mais interesse em participar, ainda que o estudo envolvesse um risco relativamente alto.

Em nossa experiência, muitas vezes, as pessoas chegam a dar informações falsas para poderem participar de um estudo. Durante a realização desta pesquisa, por exemplo, várias mulheres telefonaram para as pesquisadoras querendo insistentemente participar. Era-lhes explicado que a seleção estava sendo feita através da indicação de outros pesquisadores, coordenadores de ensaios clínicos. Algumas disseram que haviam participado de um ensaio clínico, entretanto foi constatado que não era verdade. Duas mulheres que haviam participado de mais de um ensaio clínico nos últimos 12 meses, forneceram a cada pesquisador um número de telefone diferente e o nome completo para um e parcial para outro. No primeiro contato para essa pesquisa, elas foram selecionadas e participaram de um grupo focal. No segundo contato constatou-se, pelo timbre de voz e pelas informações solicitadas, que elas já haviam participado de um grupo focal. Insistiram muito para participar novamente e poder receber mais uma vez o valor do ressarcimento. Quando informadas de que isso não era possível, as duas se disseram dispostas a “fingir” que não conheciam a pesquisadora e a dar respostas diferentes às perguntas nos grupos focais. Uma delas chegou a propor à pesquisadora dividir com ela o valor do ressarcimento.26 Isto aponta para a vulnerabilidade econômica dessas mulheres, uma vez que, nesse caso, o valor do ressarcimento era de somente R$ 20.00 (US$ 9.30).


Acompanhamento médico

Nos grupos focais as mulheres destacaram os possíveis benefícios em termos do acompanhamento ou assistência médica oferecidos durante a participação em um estudo. Isto lhes proporcionava mais segurança já que, em geral, não possuíam convênio médico e enfrentavam muitas dificuldades para conseguir consulta nos serviços públicos de saúde.


M2 – “A gente sabe que vai ter aquele acompanhamento... [que dá mais] mais segurança. No caso se a gente engravidar, vai ter alguém ali para auxiliar a gente ...

M6 – ... é muito bom o atendimento aqui. É muito bom o atendimento aqui, é muito bom.

M4 – O atendimento aqui é mesmo”. (GF2)


As mulheres também eram estimuladas a participar quando isto representava o atendimento de uma necessidade delas ou quando envolvia receber algo que não podiam pagar: um tratamento ou método anticoncepcional não disponível na rede pública de saúde, fisioterapia, acupuntura e hidroginástica. No entanto, se o estudo envolvesse algo do qual as mulheres tivessem medo ou dúvidas com relação a sua segurança, isto poderia fazer com que não aceitassem participar.


M2 – “Ah, eu aceitei porque eu não agüentava mais de dor ... daí eu aceitei para ver se melhorava porque eu já tinha passado por um especialista, tomado vários remédios e não estava resolvendo, aí eu resolvi aceitar [participar da pesquisa].

M7 – Eu vim atrás mesmo, eu vi sobre a pesquisa do X [objeto do estudo], uma entrevista na televisão. Aí como o custo era muito caro, sem chance... Aí eu vim, aí ela falou que tinha aqui [o objeto de estudo], já me deu todas as informações. Eu achei muito bom, principalmente por esse motivo de tomar injeção, pílula que acaba com a gente. Já fazia muitos anos [que eu tomava], não dava mais certo.

M4 – Eu também, como ela falou, pelo método que é eficiente. É um anticoncepcional eficiente e pelo custo, né, para fazer no particular é muito caro”. (GF3)


Essa associação entre aceitar participar de uma pesquisa porque é o único meio de ter acesso a algum bem desejável, também indica a vulnerabilidade dessas mulheres como sujeitos de pesquisa. É possível questionar se, nessas condições, a decisão de participar é realmente autônoma. Além disso, a pessoa pode sentir-se constrangida em dizer que não quer participar se ela depende do atendimento do serviço de saúde onde será feita a pesquisa.27 Dickens & Cook (2003) concordam com essa inquietação e referem que tanto o difícil acesso aos serviços médicos quanto a falta desses tornam-se um fator de pressão para que a pessoa aceite participar.


Cobaias

Em alguns grupos se discutiu a existência do que as mulheres chamaram de um “mito” em relação a participar de pesquisas: quem participa de um estudo é cobaia. Esse mito surge porque as pessoas não têm informações suficientes sobre o estudo e se sentem inseguras. Porém, isso é resolvido quando o pesquisador explica como é o estudo e no que consiste a participação da mulher. Foi citada como fundamental a segurança passada pelo pesquisador, incluindo informação sobre o produto ou tratamento que está sendo estudado incluindo se já foi testado em seres humanos. Isso faz com que a pessoa não se sinta uma cobaia/rato de laboratório.


M4 – “Acho que [muitas mulheres] gostam, mas acho que tem muitas que têm aquele tabu, aquele medo: “Ah, vai ficar como cobaia!” “Ah eu tenho medo!” “Esse método é seguro ou não é seguro?”, “Ah, a gente confia ou não?”.

M5 – Talvez até vergonha, porque a gente tem a curiosidade, tem vontade de participar mais tem aquele bloqueio, aquela vergonha de perguntar...” (GF1)


Em alguns grupos foi dito que a mulher não é cobaia porque tem várias instituições envolvidas em uma pesquisa, como por exemplo, o Ministério da Saúde que fiscalizariam o cumprimento das regras. Em um grupo foi lembrado que existe uma legislação para a realização de pesquisas com seres humanos.


M3 – “Acham que são cobaias... [se você for cobaia] Você pode participar de um teste onde pode falhar. Você está participando de um teste, você vai testando um produto para ver se vai dar certo ou não. “E se falhar, o que vai acontecer?”, “Alguém vai me ajudar em alguma coisa?” ... Você aceita se você quiser, você não é obrigado a aceitar...

M2– Segurança é uma coisa que mexe, realmente mexe ... uma das coisas que a gente pensa mesmo é a possibilidade de ser cobaia, até que a pessoa que te convidou, esclareça como funciona... Mas a questão da segurança, é uma das coisas que... o medo assim... é a primeira coisa que vem... Depois você vai lá entender como que funciona”. (GF1)


Também foi dito que, atualmente, quando uma pessoa vai participar de um estudo passa por vários exames médicos antes de começar, e repetem esses exames ao final da pesquisa, o que é uma garantia para o pesquisador e é bom para a pessoa. Segundo as mulheres, antigamente não havia esse controle, e eram cometidos muitos abusos.

Em um dos grupos focais, a discussão foi mais exaltada e com vários pontos de vista sobre o que é “ser cobaia”. Segundo algumas mulheres, o voluntário não é cobaia porque ele é informado sobre como será realizada a pesquisa e no que consiste sua participação, incluindo os riscos. Tem a liberdade para aceitar participar ou não e, se aceitar, tem a liberdade de se retirar quando desejar. Quando a pessoa toma a decisão de participar de uma pesquisa está consciente do que se trata. Além disso, na opinião delas, para o avanço da ciência há necessidade de fazer pesquisa com seres humanos.

Outras mulheres desse mesmo grupo, porém, opinaram que os voluntários são cobaias porque a pesquisa é um experimento, pois algo está em teste. No entanto, não é problema ser cobaia desde que seja orientada sobre a pesquisa. Também referiram que uma pessoa acaba sendo cobaia quando faz uso da automedicação ou faz um tratamento médico que não dá certo e depois precisa de outro.


M6 – “Eu penso assim, ‘eu vou lá, vou testar algo que eu nem sei da onde vem’. E não é por aí, as mulheres tem esse mito, por exemplo a “eu vou lá, eu vou esse negócio... não sei para que serve”. Em geral é falta de informação, bem eu acho que o grande fantasma de falar “pesquisa” é isso. Elas ficam fantasiando o que será.

M7– Também concordo, já participei de outras pesquisas e é sempre assim mesmo. Ás vezes, os pesquisadores estão precisando de alguém com todo aquele perfil, [entretanto] e a pessoa fala ‘ah não! pesquisa, cobaia , não vou usar. Não sei o que vão fazer’. Também acho que é uma falta de informação, não estão nem dispostos a vir e se informar...” (GF3)


Esses achados são coerentes com os resultados de outro estudo cujo objetivo era conhecer como os sujeitos de uma pesquisa entendiam sua participação. Observou-se que essas pessoas se consideravam “voluntários humanos”. Os termos “objeto de pesquisa” e “cobaia” foram rejeitados pelos participantes, que também referiram que os sujeitos possuem um papel ativo e não passivo durante a pesquisa.13 A maioria das mulheres, voluntárias de uma outra pesquisa, referiu que não se considerava cobaia porque tinham liberdade de escolha e recebiam os benefícios oferecidos: método contraceptivo e acompanhamento.12

Conforme os resultados discutidos, percebe-se que o significado de aceitar ser voluntário(a) em uma pesquisa está permeado de implicações sociais, no que se refere à vulnerabilidade dos potenciais sujeitos, e que, não necessariamente, reconhecer-se como cobaia é visto pelas pessoas como algo negativo. Em uma abordagem mais genérica, o termo pode ser utilizado apenas como uma analogia ao papel desempenhado pelos animais de laboratório que, inclusive, chega a ser visto como indispensável. Entretanto, essa classificação para os sujeitos de pesquisa se torna negativa e indesejável quando as pessoas se sentem inseguras acerca do que se trata à pesquisa e a sua participação nela, quando não é respeitada sua dignidade. Nesse contexto, as exigências da Resolução 196/96 pareceriam suficientes para evitar que os(as) voluntários(as) de pesquisa sejam tratados e se sintam como cobaias, no pior sentido do termo. Porém, não basta que as normas existam, elas precisam ser colocadas e praticadas e serem capazes de orientar eficazmente o processo de recrutamento e esclarecimento dos sujeitos de pesquisa.
Bibliografía del artículo
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