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As leishmanioses são doenças antropozoonóticas transmitidas ao homem por insetos flebotomíneos, causadas por várias espécies de protozoários do gênero Leishmania. Das 30 espécies existentes, 22 causam doença humana, podendo a mesma se manifestar como úlceras cutâneas simples (que tendem para autocura), graves lesões mucosas ou mesmo a forma visceral mais grave. Representam, um problema sério de saúde pública, na medida em que são endêmicas em 88 países distribuídos em 4 continentes. Embora a leishmaniose visceral também seja importante para o Brasil e América do Sul, o presente artigo se concentrará na leishmaniose tegumentar, que apresenta uma incidência anual de 1.5 milhões de casos, com mais de 90% destes casos ocorrendo no Irã, Afeganistão, Síria, Arábia Saudita, Brasil e Peru.12 Nas Américas, a doença recebe a denominação de leishmaniose tegumentar americana (LTA), sendo, no Brasil, amplamente distribuída desde o sul da Bacia Amazônica até o sudeste brasileiro, causada predominantemente por Leishmania (Viannia) braziliensis.7 Do ponto de vista clínico, a LTA pode assumir formas mucocutâneas mutilantes, ou de difícil tratamento, como as formas difusas, além de muitas vezes haver dificuldades no diagnóstico diferencial com outras doenças.
Diante do exposto acima, o diagnóstico dessa doença é componente importante para as estratégias de controle. Os métodos diagnósticos parasitológicos convencionais incluem, o exame microscópico de esfregaços e/ou imprint da lesão; exame histopatológico através de biópsias da lesão ou cultura de amostras clínicas para o isolamento do parasita. Todos estes métodos apresentam a baixa sensibilidade como limitação comum,1 nos estimulando a desenvolver e validar abordagens mais acuradas, de base imunológica e molecular.
Nos últimos anos, nosso grupo de pesquisa analisou através de Western blot, a reatividade anticórpica dos soros de 58 pacientes com leishmaniose tegumentar americana, residentes no município de Amaraji, situado na Zona da Mata de Pernambuco, identificando os principais antígenos do parasita.3 O estudo utilizou frações solúveis e insolúveis de formas promastigotas de L. (V.) braziliensis. Um perfil de reatividade anticórpica específico contra antígenos do parasita foi encontrado, e os peptídeos de 66, 60, 48, 30, 27, 19 e 16 kDa foram reconhecidos por 30%, 33%, 70%, 88%, 91%, 52% e 85% dos pacientes, respectivamente. O reconhecimento dos antígenos solúveis de 27 e/ou 30 kDa, que foram denominados Lb27 e Lb30, respectivamente, foi considerado relevante para o diagnóstico de leishmaniose tegumentar, pois os referidos antígenos não eram reconhecidos por soros normais ou de pacientes com outras doenças infecciosas e parasitárias. Neste mesmo estudo, o diagnóstico através de Western blotting (91% de sensibilidade) foi comparado com a imunufluorescência indireta e ELISA, sendo mais sensível e específico. Em seguida, a especificidade antigênica e os níveis de resposta anticórpica foram analisados em soros de obtidos de três grupos: 1) indivíduos com leishmaniose tegumentar americana ativa, 2) indivíduos curados clinicamente após tratamento quimioterápico, e 3) indivíduos que apresentaram cura clínica espontânea. Neste estudo, havia o interesse particular em avaliar se a dinâmica da resposta humoral poderia ser útil na monitoração de cura clínica.4 Uma diminuição clara da reatividade de anticorpos IgG foi demonstrada após cura clínica para todos os antígenos analisados, com destaque para Lb27 e Lb30, cujas freqüências de reconhecimento antigênico diminuíram aproximadamente duas vezes nos pacientes clinicamente curados, sugerindo que eles podem ser úteis como marcadores de cura clínica. A exceção foi o antígeno de 19 kDa (Lb19), cuja freqüência de reconhecimento aumentou após a cura clínica espontânea dos pacientes, sugerindo que este antígeno participa da resposta imunoprotetora contra a LTA. No entanto, é fato que os testes baseados na detecção de anticorpos circulantes específicos, são a expressão de uma resposta imune que pode persistir mesmo após a cura da infecção, havendo dificuldades na sua utilização na monitoração de tratamento de pacientes individuais. Entretanto, os marcadores de prognóstico Lb27 e Lb30 podem ser utilizados em estudos epidemiológicos de base populacional.
Além do desenvolvimento de testes diagnósticos de base imunológica, é importante a incorporação de métodos de diagnóstico moleculares bastante sensíveis e específicos à rotina diagnóstica. Com este objetivo, avaliamos a utilização de métodos moleculares para o diagnóstico de pacientes com LTA em áreas endêmicas.9 Os métodos selecionados foram baseados em PCR e tinham como alvo, a detecção de seqüências de minicírculos, que estão presentes em cerca de 10 000 mil cópias por parasita, e apresentam regiões conservadas e variáveis.5 Estes atributos fazem com que os minicírculos sejam um excelente alvo para técnicas capazes de detectarem DNA, como é o caso da PCR. Um total de 119 fragmentos de biópsias cutâneas foi estudado provenientes de pacientes com LTA ou doenças dermatológicas de etiologia não leishmaniótica. Dois sistemas de PCR foram utilizados, um específico para subgênero Viannia 5 mostrou uma sensibilidade de 95.4%, enquanto que a PCR especifica para o gênero Leishmania 10 apresentou uma sensibilidade de 88.2%. A especificidade calculada sobre o grupo com lesões não leishmanióticas foi de 100% em ambos os sistemas de PCR. Estes resultados mostraram que as sensibilidades das abordagens derivadas de PCR foram significativamente maiores que as apresentadas pelo exame microscópico de esfregaços da lesão e isolamento por cultura (p < 0.05). Desta forma, o diagnóstico através da detecção de DNA (hibridização e PCR) pode ser utilizado em zonas endêmicas desde que se criem laboratórios de referência. Entretanto, é necessário que os custos sejam aceitáveis, e que os procedimentos sejam simplificados, e que, no caso das hibridizações, as sonda radioativas sejam substituídas por sondas não radioativas.2,9
Ao mesmo tempo em que os métodos baseados em detecção de DNA superaram as sensibilidades dos métodos convencionais de diagnóstico, novas questões surgiram quando, em outra investigação, analisamos biópsias de cicatrizes de pacientes curados clinicamente. Utilizando PCR dirigida para a amplificação de minicírculos, demonstramos a presença de DNA específico para Leishmania (Viannia) nas cicatrizes de 30 dos 32 (93.7%) pacientes clinicamente curados de LTA que foram estudados. Além disto, demonstramos que em algumas destas amostras os parasitas eram cultiváveis e infectantes para animais de laboratório, sugerindo fortemente que a persistência de parasitas é a regra e não a exceção na leishmaniose.8 Alguns trabalhos anteriores já haviam sugerido a persistência de Leishmania após tratamento e cura clinica da LTA, através da detecção de DNA do parasita em sangue6 e cicatrizes de pacientes.10 Contudo, ao que sabemos, o isolamento inequívoco de parasitas viáveis esteve restrito a dois casos.11 Desta forma, nosso grupo ampliou significativamente estes estudos anteriores. A demonstração da persistência de parasitas após a cura clínica da LTA levanta várias questões com relação à evolução clínica, epidemiologia e controle da leishmaniose: 1) qual a taxa de reativação das lesões, particularmente diante da coexistência cada vez mais freqüente de leishmaniose e AIDS 2) pacientes imunossuprimidos com leishmaniose clinicamente curada podem transmitir a doença 3) o desenvolvimento de estratégias de tratamento para eliminar completamente o parasita é justificável 4) o fenômeno de persistência de leishmânias é geral ou se restringe a algumas variantes intra-específicas Todos estes assuntos são importantes para o controle da doença, e certamente requerem mais estudos.
Los autores no manifiestan conflictos.