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TERAPIA GÊNICA
(especial para SIIC © Derechos reservados)
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Autor:
Nance Beyer Nardi,
Columnista Experto de SIIC

Institución:
Departamento de Genética Universidad Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) RS, Brasil

Artículos publicados por Nance Beyer Nardi, 
Coautores Melissa Camassola*  Luisa Maria Braga** 
Bióloga, Mestranda junto ao Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular UFRGS.*
M Sc, Doutoranda junto ao Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular UFRGS.**


Recepción del artículo: 20 de abril, 2004
Aprobación: 0 de , 0000
Conclusión breve
A pesar de que os vírus representam o sistema mais eficiente, o desenvolvimento de vetores hibridos que combinem vantagens de vetores virais e não virais trarão novas perspectivas para o aumento da eficiência dos protocolos de terapia gênica

Resumen

A terapia gênica surgiu no meio médico e científico como uma abordagem molecular visando tratamentos e profilaxias para diversos tipos doenças, inclusive aquelas que não respondem a terapias convencionais. O princípio básico deste procedimento é a transferência de material genético para tecidos ou células alvo. A aplicação de protocolos de terapia gênica tem encontrado bem mais problemas que o esperado quando a idéia foi inicialmente estabelecida, há quase duas décadas. Uma baixa eficiência dos métodos de transferência gênica, bem como dificuldades na manutenção da expressão dos transgenes, têm sido as principais limitações. Três tecnologias de transferência gênica principais estão em desenvolvimento: o desenho de vetores sintéticos, o aperfeiçoamento de vetores virais, e protocolos para a transferência ex vivo principalmente para células tronco. Muitos métodos diferentes têm sido descritos para a transferência gênica para células tronco. Apesar de que os vírus representam o sistema mais eficiente, o desenvolvimento de vetores hibridos que combinem vantagens de vetores virais e não virais trarão novas perspectivas para o aumento da eficiência dos protocolos de terapia gênica. Vários ensaios clínicos estão em andamento e prometem grandes benefícios no futuro.

Palabras clave
Terapia gênica, vetores virais e não virais, transgene, MPS I, IDUA

Clasificación en siicsalud
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página www.siicsalud.com/des/expertos.php/68048

Especialidades
Principal: Genética Humana
Relacionadas: FarmacologíaInmunologíaMedicina Interna

Enviar correspondencia a:
Nance Beyer Nardi. Departamento de Genética UFRGS. Av. Bento Gonçalves 9500, C.P. 15053 – CEP 91540-000, Porto Alegre, RS, Brasil. Beyer Nardi, Nance


GENE THERAPY

Abstract
Gene therapy was introduced in the scientific and medical areas as a molecular approach for the treatment and prevention of several kinds of diseases, including those which do not answer to conventional therapies. The basis of the procedure is the transfer of genetic material to target cells or tissues. The application of gene therapy protocols has faced many more problems than what was foreseen when the idea was first developed almost two decades ago. Low gene transfer effectiveness and the lack of long-term expression maintenance have been the main limitations. Three main gene transfer technologies are under development: design of synthetic vectors, improvement of virus-derived vectors, and protocols for the ex vivo gene transfer to (mainly stem) cells. Many different methods have been described to transfer genes to stem cells. Although retroviruses represent the most effective transfer system, the development of hybrid vectors which sum up viral and non-viral advantages will certainly bring new perspectives for the effectiveness of gene therapy protocols. Several clinical trials are now under experimentation and promise great benefits in a near future.


Key words
Gene therapy, viral and non-viral vectors, transgene, MPS I, IDUA


TERAPIA GÊNICA

(especial para SIIC © Derechos reservados)
Artículo completo
A terapia gênica surgiu no meio médico e científico como uma abordagem molecular com excelentes perspectivas no desenvolvimento de novos tratamentos e profilaxias para diversos tipos doenças, inclusive aquelas que não respondem a terapias convencionais. O princípio básico deste procedimento é a transferência de material genético (na forma de DNA, RNA ou mesmo oligonucleotídeos) para tecidos ou células alvo, objetivando o tratamento ou prevenção de doenças. Esta adição de fatores genéticos é capaz de suprir as deficiências advindas de mutações que gerem proteínas não funcionais ou mesmo ausência de expressão gênica, bem como de regular ou mesmo inibir a expressão de genes deletérios importantes no desenvolvimento de tumores ou na patogenicidade de organismos infecciosos.1
Segundo informações do Projeto Genoma Humano, existem diferentes técnicas de terapia gênica para correção de genes defeituosos, que devem ser empregadas conforme o tipo de projeto, incluindo:
  • Inserir um gene normal em uma localização não específica do genoma para substituir um gene não funcional. Esta é a técnica mais usada.
  • Substituir um gene anormal por um gene normal através de recombinação homóloga.
  • Reparar o gene defeituoso através de mutação reversa seletiva, permitindo ao gene recuperar sua função normal.
  • Alterar a regulação normal de um gene em particular
Apesar do grande desenvolvimento da terapia gênica nos últimos anos, poucos resultados práticos no estabelecimento de novos métodos terapêuticos têm sido obtidos. Recentemente, foi noticiado o primeiro caso clínico de correção total de uma síndrome genética, utilizando a terapia gênica como instrumento. Cavazzana-Calvo e cols. (2000) relataram a completa reversão da Síndrome da Imunodeficiência Combinada Severa (SCID), através da correção do gene γc (que codifica o receptor de citocinas γc) defeituoso destes pacientes.2 Este relato levou a um novo incentivo na pesquisa em terapia gênica, e muitas abordagens para diversas doenças monogênicas e infecciosas, bem como voltadas para o combate ao câncer, vêm sendo testadas.3
Diferentes abordagens metodológicas têm sido utilizadas na terapia gênica, dependendo do método de administração. O método in vitro é realizado em culturas de células e tecidos. Nessa etapa de avaliação da eficiência do método é comum a utilização de genes repórteres tais como CAT, β-galactosidases, luciferases, proteína verde fluorescente (GFP) e fosfatase alcalina. Seus resultados não são sempre suficientes para prever as consequências da administração gênica in vivo nos pacientes.4 O método ex vivo é baseado na manipulação celular: as células alvo são removidas do organismo, expostas ao contato com vetores e reintroduzidas no indivíduo afetado. Este procedimento pode ser aplicado a qualquer tipo de tecido ou células transplantáveis. Tem a vantagem de que as células podem ser monitoradas e/ou selecionadas quanto ao nível de expressão gênica antes da reintrodução no paciente. A cultura pode ser expandida até alcançar uma dose adequada de proteína exógena produzida ou até que se atinja uma quantidade suficiente de células modificadas geneticamente para reintrodução.5,6 No método in situ a introdução do gene é feita diretamente no tecido alvo. Já no método in vivo, os genes são introduzidos em diferentes vias nos pacientes. Esta forma de transferência pode ser aplicada quando se visa uma grande variedade de tipos celulares e tecidos, apresentando como desvantagem a possibilidade dos genes serem introduzidos em células reprodutivas. O sucesso da terapia in vivo depende da eficiência do transgene em transpor as barreiras extracelulares e intracelulares até atingir as células alvo.4
A figura 1 mostra um exemplo de terapia gênica ex vivo em pacientes com SCID, onde uma cópia do gene normal foi isolada e empacotada em um vetor. No laboratório o vetor foi colocado em contato com células de medula óssea do próprio paciente que, após, foram reintroduzidas nele reconstituindo assim a função hematopoiética normal.



Entre os muitos problemas enfrentados na terapia gênica, podemos citar a diminuição ou perda da expressão do transgene, o desenvolvimento de reações imunológicas contra os produtos de expressão e contra os vetores, além da falta de especificidade para células alvo in vivo.7 Inúmeras tecnologias vêm sendo testadas na tentativa de aprimorar as técnicas de transferência gênica. Um ponto chave para o sucesso da terapia é conseguir uma expressão gênica prolongada e efetiva após a adição do material genético (transgene), para que níveis terapêuticos de proteínas sejam alcançados.4
A tecnologia básica envolvida em qualquer aplicação da terapia gênica é a transferência do material genética, e um dos grandes desafios para esta área tem sido o desenvolvimento de vetores eficientes para este fim. Estes vetores funcionam como veículos carreadores de genes para o interior das células. Um vetor ideal deve possuir as seguintes propriedades:
  • Não causar toxicidade
  • Não estimular o sistema imunológico após sucessivas administrações
  • Ter alta eficiência de transferência
  • Ser regulável (no tempo, no local ou na quantidade de expressão)
  • Atingir as células alvo de maneira eficiente
  • Ser estável e seguro
  • Ser de fácil produção em larga escala
  • Ter baixo custo
  • Manter a expressão gênica por longo tempo
A figura 2 ilustra o uso de vetores para reversão de doenças genéticas, onde o DNA normal é empacotado em um vetor viral (retrovirus) e transferido para células alvo que passam a produzir as proteínas normais, revertendo o quadro clínico da doença.



Diversos métodos têm sido desenvolvidos para o transporte dos genes de interesse (transgene) às células somáticas. Os métodos de transferência são geralmente divididos em três categorias, e as vantagens e desvantagens de cada um devem ser pesadas para a decisão do método mais apropriado aos objetivos específicos (tabela 1).



Sistemas não virais
Os métodos de transferência dos vetores não virais estão divididos em duas categorias: físicos e químicos.
Métodos físicos: estes métodos são mais utilizados para a transferência de vetores plasmidiais.
Microinjeção
Um dos primeiros métodos a ser utilizado, este sistema consiste da injeção direta do DNA na célula alvo. Apesar de vantajoso, devido à pequena quantidade de DNA necessária para a transferência, é extremamente trabalhoso e apresenta baixo rendimento.8
Eletroporação
Neste sistema, pulsos elétricos alternados são aplicados às células que estão em contato com uma solução de DNA plasmidial. A corrente gerada é capaz de formar poros na superfície celular, facilitando a entrada do material genético nas células. Este método foi recentemente adaptado para utilização in vivo, aumentando a eficiência da injeção de DNA nú. Entretanto, a introdução de plasmídeos in vivo geralmente provoca uma elevada resposta imune contra o transgene, bem como contra toda a molécula de DNA. Consequentemente, estes sistemas vêm sendo muito utilizados para o desenvolvimento de vacinas de DNA.9
Biobalística (gene gun)
Outro método de grande importância é a biobalística ou gene gun (do inglês, arma genética), onde o DNA, associado com microesferas de ouro ou tungstênio, é acelerado por um gás que projeta estas esferas contra células e promove a entrada deste DNA no núcleo das células bombardeadas. Este sistema é bastante eficiente, e vem sendo adaptado para utilização in vivo nas vacinas de DNA.10
Injeção hidrodinâmica
A transferência intravenosa de genes é um método bastante atrativo. A principal vantagem deste tipo de transferência é quanto a sua forma de administração, que pode ser sistêmica ou regional. A forma regional se faz através da injeção do DNA dentro dos vasos que suprem de sangue a região de interesse. Um grande avanço na forma sistêmica foi obtido pelo desenvolvimento de um procedimento de transferência usando injeção na veia caudal de camundongos. Neste método a injeção, denominada hidrodinâmica, é feita com um grande volume de solução (aproximadamente 10% do peso corporal do animal) contendo o DNA de interesse; as moléculas de DNA entram na corrente sangüínea e são carregadas para o interior do coração e então distribuídas para o restante do corpo. O uso deste método permite a expressão do transgene predominantemente no fígado, mas também no coração, pulmão, baço e rim. Neste modelo a administração do vetor pode causar danos, mas as reações patológicas são transientes e a morfologia do fígado é restaurada até o quarto dia de manipulação. Uma pergunta freqüente é como esta técnica pode ser transposta para humanos. Estudos atuais mostram uma eficiência parecida quando macacos receberam injeções de DNA nú dentro de vasos eferentes ou aferentes do fígado. Tais injeções poderão ser feitas em humanos via cateteres.
Métodos químicos: são geralmente baseados em materiais sintéticos que formam complexos com a molécula de transgene de interesse. Tais complexos são formados devido às cargas positivas destes compostos (catiônicos) e as cargas negativas dos grupamentos fosfato das moléculas de DNA e RNA. O complexo ainda adquire características para interagir com a membrana celular e facilitar a entrada do material genético nas mesmas. A entrada deste complexo na célula ocorre na maioria das vezes por processos normais como a endocitose.
Sistemas baseados em lipídeos. Estes métodos usam lipídeos catiônicos, os quais são capazes de formar complexos com moléculas de ácidos nucléicos. Embora existam variações nas estruturas destes lipídeos, todos são lipídeos hidrofóbicos. Os lipossomos são pequenas vesículas de fosfolipídeos bipolares, eficientes carreadores de drogas, peptídeos e proteínas, amplamente estudados para uso em terapia gênica, tanto in vitro como in vivo. Apresentam como desvantagem a perda da estabilidade do complexo DNA/lipossomo.10
Polímeros. Entre eles estão polietilenimina (PEI), dendrímeros (Superfect), poli (L-lisina), polímeros contendo imidazol, quitosan, etc. Entre suas vantagens estão a possibilidade de escolher a estrutura do polímero ideal para a transfecção da célula alvo e a fácil obtenção em grande escala.10
A co-precipitação de DNA com fosfato de cálcio foi um dos primeiros sistemas descritos. Apresenta como vantagens a alta segurança, simplicidade e baixo custo. Apesar de sua baixa eficiência e reprodutibilidade, estes procedimentos de transferência gênica são importantes até hoje, sendo bastante utilizados na produção de vetores virais.
Sistemas virais
Os sistemas virais geralmente apresentam alta eficiência de transfecção quando comparados com sistemas não-virais. Os vírus vêm se mostrando altamente eficientes para a transferência de ácidos nucléicos para tipos específicos de células. Diferentes tipos de vírus estão sendo adaptados como vetores, mas os estudos estão mais avançados com os retrovírus (incluindo os lentivirus), adenovírus (Ad) e vírus adeno-associados (AAV). O primeiro passo para o desenvolvimento de um vetor viral é a identificação das seqüências virais que são necessárias para a montagem das partículas, o empacotamento do genoma viral dentro destas partículas e a transferência para as células alvo. Como próximo passo os genes não essenciais são deletados do genoma viral para reduzir a patogenicidade e resposta imune. O genoma viral restante e o transgene serão os componentes do vetor a ser construído.
Vetores virais podem ser divididos em duas classes gerais: a) vetores com capacidade de integração no genoma da células hospedeira promovendo uma expressão do transgene a longo prazo, e b) vetores que não se integram. Exemplos de vetores que se integram são os retrovirus e adeno-associado. Atualmente, o principal vírus aplicado à terapia gênica sem a capacidade de integração é o adenovírus, que tem seu genoma viral mantido em forma epissomal no interior da célula infectada.
Adenovírus (Ad). São capazes de carregar transgenes de tamanho grande (maiores que 8 kb) sem afetar sua infectividade. Os Ad possuem baixa especificidade, caracterizando-se por infectar um grande espectro de tecidos. Infectam tanto células que estão se dividindo quanto células em estado de quiescência. Estudos mostram que apesar de não ser um vírus integrativo, a expressão do transgene por ele carregado pode durar até um ano.11 A geração de adenovírus de primeira geração destinados à transferência gênica, envolveu a deleção do gene E1, um gene importante para a expressão e replicação viral. Deste modo, este vírus só pode replicar-se em células que contenham este gene, tal como células da linhagem 293.12 Alguns estudos posteriores propuseram os Ad de segunda e terceira geração, onde houve a deleção dos genes E1, E2 e/ou E4. A complexidade dos Ad tem levado à remoção de todos os genes virais, consequentemente não é possível o empacotamento de novas partículas virais, mesmo em linhagens de células empacotadoras. Ao invés disto, um sistema de vetor auxiliar (helper) foi desenvolvido. O vírus helper contém todas os genes necessários para a replicação e o segundo vírus, que contém o transgene, recebe apenas o sinal de empacotamento. Assim, novas partículas virais são produzidas carregando o transgene, sem carregar as seqüências gênicas virais. Entre os obstáculos à aplicação do Ad, in vivo, estão: a resposta imune contra as células transduzidas que expressam baixos níveis de genes de origem viral resultando na eliminação destas células; a imunidade humoral contra o capsídeo viral que limita aplicações repetidas do vírus; e o potencial de contaminação com adenovírus capazes de replicação.13
Adeno-associado. É fundamental que sejam apreciadas as respostas imune humoral e celular contra os vetores e produtos transgênicos antes de ser executada uma transferência gênica in vivo.14 Considerando que a resposta imune imune aos produtos transgênicos é determinada pela resposta inflamatória induzida pelos vetores virais, e sabendo que os vetores adenovirais induzem significante resposta inflamatória, os vetores adeno-associados surgem como uma excelente alternativa (figura 3).


O vírus adeno-associado (AAV, adeno-associated virus), é um pequeno vírus de DNA, não envelopado, não patogênico, pertencente a família Parvoviridae. Seu genoma é composto por uma única molécula de DNA, com 4 681 bases, com repetições terminais invertidas (ITRs, inverted terminal repeats). Os ITRs são seqüências palindrômicas de 145 pares de bases envolvidas na regulação do ciclo celular do AAV, dispostas nas porções terminais 5' e 3' do genoma viral, que servem como origem e iniciadores para a replicação do DNA. Flanqueadas pelas ITRs, duas ORF (open reading frame) codificam uma proteína regulatória e outra estrutural, denominadas rep e cap, respectivamente. A região de leitura situada na porção 5' (gene rep) codifica quatro proteínas não-estruturais envolvidas com a replicação genônica. A porção 3' contém o gene cap, que codifica três proteínas estruturais para a formação do capsídeo viral. O AAV é considerado um dependovirus porque somente é capaz de se replicar em uma célula na presença de um vírus auxiliar (adenovirus ou herpes vírus), que lhe forneça os fatores auxiliares essenciais para sua replicação. Na ausência do vírus auxiliar, o genoma do AAV integra-se, preferencialmente, em um sítio específico (AAVS 1) no braço curto do cromossomo 19, entre q13.3 e qter, utilizando para isso os ITRs, com alta freqüência e estabilidade, para estabelecer uma infecção latente tanto em células mitóticas como pós-mitóticas.15
Seis distintos sorotipos de AAV humanos foram isolados diferindo nas seqüências de aminoácidos do capsídeo viral e em vários graus de soroneutralização cruzada.14 Diversas propriedades fazem do sorotipo 2 (AAV2) o mais bem caracterizado e o mais utilizado em aplicações de terapia gênica. Ele nunca foi associado com doenças humanas, não induz resposta imune e produz uma expressão longa do transgene em muitos tecidos, principalmente cérebro, fígado, músculo e retina, quando testado em animais de experimentação. O receptor primário do AAV2 é o heparan sulfato (heparan sulfate proteoglycan, HSP), molécula encontrada em diversos tipos de células, o que explica o amplo tropismo deste sorotipo.
A construção de vetores recombinantes de AAV (rAAV) onde todas as seqüências virais são removidas, com exceção das ITRs, adiciona outra característica de segurança: previne a geração de vírus selvagem e atenua a possibilidade de reações imunes causadas pela indesejável expressão de genes virais.16
Vetores recombinantes rAAV são derivados de plasmídeos que carregam os ITRs flanqueando o gene exógeno de interesse. Esses vetores podem ser empacotados dentro do capsídeo do AAV pela co-transfecção em células infectadas com adenovírus, um segundo plasmídeo de empacotamento contendo os genes rep e cap. O rAAV é recuperado em células lisadas e o vírus auxiliar é removido. Desta forma, quatro elementos são requeridos para o empacotamento do vetor AAV: 1) células eucarióticas em cultura (conhecidas como células empacotadoras), 2) as proteínas responsáveis pela replicação do genoma viral e síntese do capsídeo (obtido do plasmídeo empacotador ou auxiliar, que carrega a informação dos genes rep e cap), 3) o DNA do vetor (contendo o gene exógeno de interesse, além das seqüências de encapsidação e as ITRs) e 4) o vírus auxiliar (adenovírus, que fornece em trans alguns elementos necessários para replicação na célula de empacotamento). As desvantagens de utilizar partículas rAAV como vetores de transferência gênica são o tamanho do seu genoma (acima de 5 kb ocorre interferência no encapsulamento viral), o que limita a clonagem de determinados genes de interesse terapêutico, e a dificuldade de produzir o vetor viral em grandes quantidades. Estes problemas foram minimizados pela utilização de plasmídeos contendo seqüências de ITRs e sua multiplicação em linhagens recombinantes de Escherichia coli.
O sistema nervoso central (SNC) constitui um dos alvos mais importantes para terapia gênica, devido à sua importância no organismo e ao grande número de enfermidades que o afetam, a maior parte das quais é tratável através de protocolos de transferência de material genético. Entretanto, características fisiológicas do SNC, como a presença da barreira hemato-encefálica, tornam a transferência gênica para esses tecidos um desafio do ponto de vista técnico. Embora os AAV não tenham sido utilizados em estudos clínicos, eles apresentam um importante potencial como vetores de terapia gênica, principalmente quando o foco for o SNC. Inúmeras pesquisas vêm mostrando que pode ocorrer uma longa expressão do transgene nos tecidos transduzidos com rAAV sem a perda dos benefícios terapêuticos-16
Retrovirus. A família dos retrovirus é chamada de Retroviridae e dentro dela existem duas subfamílias: Oncovirinae, Spumavirinae e Lentivirinae. Os retrovirus são pequenos vírus de RNA que durante a replicação encontram-se na forma de DNA (figura 4). Eles são encontrados em muitas espécies incluindo humanos. Certas características dos retrovírus os fazem boas opções de vetores para terapia gênica, como: a expressão estável e contínua do transgene devido à integração do genoma viral no cromossomo da célula hospedeira; baixa imunogenicidade da partícula viral; grande capacidade de inserção gênica; e o amplo tropismo celular.7 Os retrovirus infectam as células alvo diretamente pela interação entre a proteína de envelope viral e um "receptor" de superfície celular na célula alvo. O vírus é então internalizado, e sofre transcrição reversa ficando sob forma de dupla fita de DNA chamado de provirus. Esta dupla fita é transportada para o núcleo, onde se integra de forma estável no genoma do hospedeiro. Para os vírus das subfamílias Spumavirinae e Oncovirinae, mitoses ou até quebra do envelope nuclear são necessárias para que alcancem o núcleo.12



O vírus da imunodeficiência felina (FIV) é um retrovírus linfotrófico do pertencente à família Lentivirinae. Seu genoma de 9,4 Kb está organizado como os demais retrovírus, com os genes env, gag e pol e com o adicional de 7 ORF's (open read frame) que codificam proteínas.18 A utilização do FIV como vetor de transferência gênica é considerada um avanço na tecnologia de produção de vetores.7 Poeschla e cols. (1998) relataram que o único impedimento para infecção produtiva em células humanas pelo FIV era a baixa atividade transcricional do LTR em células humanas.19 Este problema foi facilmente superado pela substituição da região U3 da LTR 5' (onde se encontram a maior parte dos promotores do vírus) por um promotor constitutivo eucarioto com atividade transcricional forte. Além disso, a substituição das proteínas do envelope viral do FIV por uma proteína de envelope do Vírus da Estomatite Vesicular (VSV-G) permitiu que o tropismo do FIV por células humanas fosse ampliado. Este processo foi descrito inicialmente por Burns e cols (1993) e é conhecido como pseudotipagem,20 sendo amplamente utilizado na produção de vetores virais. Além da alteração no tropismo, esse procedimento garante também um aumento na estabilidade da partícula viral, permitindo melhores condições na manipulação destes.
Ainda não foram descritas linhagens que expressam constitutivamente as proteínas necessárias para o empacotamento de vetores baseados no FIV. Assim, a produção destes vetores é feita pelo método da co-transfecção de três plasmídeos descrita por Soneoka e cols. em 1995.21 Neste sistema, células 293T são transfectadas simultaneamente com trës plasmídeos distintos (figura 5). Um dos plasmídeos (de empacotamento) codifica as proteínas necessárias para síntese das partículas virais (genes estruturais gag e pol), sendo responsável pela produção, nas células empacotadoras, da partícula do vírus. Um outro plasmídeo (envelope) carrega a informação para a proteína de envelope VSV-G. O último plasmídeo (vetor) contém, além do transgene a ser transferido para a célula alvo, as seqüências mínimas necessárias para integração do vírus e expressão deste transgene. Esta construção contém o fator de encapsidação , para que o RNA transcrito a partir deste plasmídeo seja eficientemente incorporado na partícula viral. O sistema garante que os genes necessários para a produção de novas partículas virais (genes estruturais existentes no primeiro plasmídeo) não sejam encapsidados e incorporados nas células alvo, impossibilitando assim a ocorrência de outro ciclo de replicação viral.



O emprego do FIV como vetor é bastante recente, mas sua crescente importância vem sendo responsável por um aumento no número de projetos que utilizam esse vetor. Inúmeros estudos pré-clínicos mostraram a eficiência de vetores baseados neste vírus nos mais diversos tipos de células, e com aplicações em doenças como diabete, fibrose cística, desordens metabólicas e erros inatos, doenças do sistema nervoso e hematopoético, alterações na córnea e ouvido interno, entre outros.19,22-27
Em 1994, 50 protocolos de terapia gênica haviam sido aprovados e eram administrados a 200 pacientes. Hoje, 10 anos mais tarde, mais de 600 ensaios clínicos estão em curso e disponíveis a aproximadamente 3.500 pacientes. Os Estados Unidos concentram quase 80% dos protocolos e somente 3% de todos os ensaios aprovados são realizados fora dos Estados Unidos ou da Europa (www.wiley.com/genmed). No Brasil e na América Latina, vários grupos vêm estabelecendo competência na área da terapia gênica.28
O tratamento de doenças humanas através da transferência de genes foi originalmente direcionado para doenças hereditárias; entretanto, a maioria dos ensaios clínicos atualmente em curso envolve o tratamento de doenças adquiridas (tabela 2).



Um dos exemplos de doenças para as quais a terapia gênica representa alternativa de grande interesse são as mucopolissacaridoses (MPS), nas quais nosso grupo desenvolve projetos de pesquisa. As MPS pertencem ao grupo de doenças genéticas de herança monogênica, potencialmente passíveis de serem tratadas e/ou prevenidas por protocolos de terapia gênica. São causadas por alterações da produção de enzimas lisossômicas capazes de degradar mucopolissacarídeos (ou glicosaminoglicanos, GAGs). Algumas formas clínicas de MPS já foram identificadas e descritas, sendo classificadas numericamente de MPS I a MPS VII, cada uma resultando de mutações em genes de enzimas específicas. A mucopolissacaridose do tipo I é uma doença autossômica recessiva, sendo resultante de um defeito no gene que codifica a enzima lisossomal alfa-L-iduronidase (IDUA), que degrada os GAGs heparan e dermatan sulfato. O fenótipo desta doença pode ser muito variável. Indivíduos com baixo nível ou ausência de IDUA apresentam efeitos deletérios na infância e pré-adolescência devido ao acúmulo de GAGs em diferentes órgãos, incluindo o sistema nervoso central, sistema reticuloendotelial e esqueleto. Na maioria dos casos os pacientes apresentam disfunção neurológica progressiva. Tais pacientes são severamente afetados ainda na primeira década de vida. A terapia atual para MPS I é o transplante de medula óssea, que envolve a dificuldade de encontrar doador com HLA compatível. A reposição enzimática é outra alternativa atualmente aplicada para MPS I, mas além do alto custo não permite a reversão dos casos de comprometimento neurológico. A aplicação de terapia gênica para MPS I apresenta-se como uma alternativa promissora, e ensaios pré-clínicos estão sendo realizados com emprego de diferentes vetores.29
Los autores no manifiestan conflictos.
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