Introdução
Por sarcoma de partes moles (SPM) subentende-se um grupo detumores sólidos, com carateristicas anatômicas e morfológicas diversas, que têm origem no tecido mesenquimal de suporte. Trata-se de uma neoplasia rara, que apresenta características anatômicas e morfológicas diversas, surgindo no tecido mesenquimal de suporte, com uma incidência esperada de cerca de 6.400 novos casos por ano nos EUA (1). No Brasil, dados de 2002 mostraram a uma incidência ajustada de 2,8 casos por 100.000 habitantes (2). O tratamento dos SPM ainda é um desafio, exigindo uma aboradagem multidisciplinar com objetivo de uma ressecção completa do tumor bem como a erradicação de extensões microscópicas da lesão. A manutenção de uma boa função orgânica depende do grau da ressecção dos tecidos normais circunjacentes, sendo a ressecção mais econômica conseguida com a associação de cirurgia conservadora (CC) e adição de radioterapia complementar, evitando-se assim amputação de membros. Não obstante, ainda se observam falhas locais em 10 a 20% dos casos (3).Com o objetivo de minimizar a incidência de falhas locais nos pacientes tratados de maneira conservadora, iniciamos este estudo em que se avaliaram os resultados da associação de CC complementada por radioterapia externa e com reforço de dose com braquiterapia de alta taxa de dose (BATD).
Métodos e materiais
Avaliamos retrospectivamente todos os pacientes portadores de SPM em extremidades, submetidos a CC, radioterapia externa e reforço de dose com BATD tratados entre os anos de 1993 e 1999 nos Departamentos de Radioterapia do Hospital A. C. Camargo e Instituto do Câncer de Arnaldo Vieira Carvalho. Até o mês de junho de 2003, o seguimento mínimo destes pacientes era de 4 anos. Todos os pacientes foram estadiados de acordo com o manual da UICC/AJCC, 1992 (4). Vinte e sete pacientes foram incluídos neste estudo. As caraterísticas clínicas dos pacientes se encontram na tabela 1. Vinte e cinco casos eram apresentações iniciais, 2 tratavam-se de recidivas locais, com lesões menores que 5cm, sem tratamento complementar após a primeira intervenção.
TABELA 1. Caraterísticas dos pacientes.
Masc, masculino. Fem, feminino.
Resumidamente a técnica de BATD consistia de implantes em plano único com cateteres de polietileno, inseridos tão paralelos quanto possível, com separação de 10 a 15 mm entre os mesmos. Os pontos de prescrição de dose se localizavam entre os cateteres (5). Os efeitos colaterais agudos (ECA) e tardios (ECT) foram classificados segundo orientação do "Radiation Therapy Oncology Group - RTOG" (6).
Resultados
A sobrevida global (SG) e livre de doença (SLD) atuarial em 10 anos foi 77,4% e 74,4% (Figuras 1 e 2).
Figura 1. Sobrevida global atuarial.
Figura 2. Sobrevida livre de doença atuarial.
Sessenta e sete porcento (15/27) dos pacientes não apresentaram qualquer tipo de ECA. Dos 12 pacientes que os apresentaram, predominaram os efeitos graduados como G2. Os ECT ocorreram em 11 pacientes com predominância de G1 (22.5%), descritos na Tabela 2. Três pacientes (11%) apresentaram recidiva local, em período variável de 28 a 60 meses. Um dos pacientes foi resgatado por cirurgia radical (amputação de membro na raiz da coxa). Os outros pacientes foram a óbito em decorrencia de metástases pulmonares.
TABELA 2. Efeitos colaterais agudos (ECA) e tardios (ECT).
ECA, efeitos colaterais agudos. ECT, efeitos colaterais tardios. O, sem complicação.
Discussão
A baixa incidência de SPM torna o manuseio clínico difícil e praticamente impossível a realização de estudos prospectivos randomizados uni-institucionais. Nas últimas décadas, o papel da radioterapia se tornou evidente em relação ao aumento do controle local quando associada à CC. A combinação da radioterapia e cirurgia, com o propósito de preservação do membro é baseada no fato que a cirurgia usada isoladamente exige a ressecção do tumor e a inclusão de um grande volume de tecido saudável circunjacente à lesão, prejudicando a preservação do membro ou de sua função. A adição de doses moderadas de radiação ao leito tumoral têm por função inativar extensões microscópicas da lesão, permitindo ressecções mais econômicas, qo que permite a preservação do membro e de sua função. Amputações, ainda inevitáveis em um número pequeno de pacientes, são reservadas para tumores com invasão neurovascular ou para aqueles em que a função do membro ficaria tão prejudicada que sua preservação seria inútil. Nos anos setenta a taxa de amputações era de cerca de 32 a 47% de todos os casos de SPM. Hoje ela ainda é necessária em 5 a 10% dos casos (7-9). Em nosso, somente um paciente ncessitou ser submetido a amputação, representando 3,7% do tota de pacientes.
Na literatura, poucos estudos avaliaram o papel da BATD no tratamento dos SPM. Donath et al., publicaram dados relativos a 10 pacientes, candidatos a amputação devido a recorrência local. A BATD foi realizada de maneira exclusiva, sem associação à radioterapia externa, com 6 a 7 frações de 5 Gy administradas duas vezes por dia. Como resultado, após um seguimento mediano de 2,5 anos, observaram que 6 dos 10 pacientes mantiveram controle local. Três pacientes apresentara falha local, em um período variável de 3 a 6 meses (10).Koizumi et al., publicaram resulatados relativos a 14 pacientes com idade médiana de 39 anos (variação de 14 a 72 anos). Seis casos eram de tumores em pélvis, 6 em extremidades e 4 em região cervical. A BATD foi administrada em 7 a 10 frações, duas vezes por dia, com dose total de 40 a 50 Gy. Com seguimento mediano de 30 meses (variação de 19 a 46 meses), o controle local observado foi de 75% em 1 ano e 48% em 2 anos. Observaram como ECT um caso de neurite actinica um caso de fratura de clavícula (11).
Em nosso grupo de pacientes as taxas de SG e SLD atuariais em 10 anos foram 77,4% e 74,4%, respectivamente, porém adicionamos ao tratamento a radioterapia externa. Verificamos ainda, que complicações em ossos, vasos e tecidos nervosos não foram observadas neste grupo de pacientes, provavelmente como resultado da precaução em não se colocar cateteres diretamente em contato com os mesmos. Concluímos que a BATD utilizada como reforço para a radioterapia externa associada a CC pode levar a um bom índice de controle local, com taxas de morbidade aguda e tardia aceitáveis a médio e longo prazo.
Lista de Siglas: SPM, sarcomas de partes moles. CC, cirurgia conservadora. BATD, braquiterapia de alta taxa de dose. ECA, efeitos colaterais agudos. ECT, efeitos colaterais tardios. SG, sobrevida global. SLD, sobrevida livre de doença.