O projeto de Ensino Médico e Promoção à Saúde Comunitária em Creche Comunitária iniciou-se em 1999, com ênfase na saúde de 410 crianças de zero a quatro anos matriculadas na Creche Dona Marta carneiro, Município de Uberaba, MG, Brasil e continua, até o presente momento, com a realização de consultas individuais, conversas e brincadeiras informais em sala de aula e outras dependências da creche e encerramento das atividades, a cada semestre com um evento educativo: teatro, apresentação musical, palestras, gincanas com participação ativa de todos os adultos e crianças. O grande desafio é estabelecer um trabalho efetivo e continuado com os adultos, as famílias dessas crianças. Este aspecto foi-se tornando essencial à medida em que, ao conversar e interagir com os jovens, observou-se, em todas as oportunidades de contato, a presença de um problema muito freqüente e preocupante: a violência doméstica, freqüentemente acompanhada de casos de dependência química na família. A condição de exclusão social observada a partir da moradia em bairros periféricos, sem a posse do imóvel e algumas vezes em condições precárias de construção sob plásticos e estruturas de madeira improvisadas; a falta de emprego e baixa escolaridade; a renda per capita que impossibilita a alimentação adequada, o vestuário, o transporte e o acesso a outros bens e serviços e a própria insuficiência do setor saúde que oferece serviços incompletos, onde faltam recursos diagnósticos e medicamentos, por exemplo, todos esses fatores estão sustentando uma condição de penosidade e marginalidade que certamente está relacionada a formas violentas de enfrentar a realidade e questionar a ordem social estabelecida. A direção da creche realiza exatamente um esforço de valorização dessa população através de projetos que promovam a cidadania para a realização do movimento inverso de inclusão social e por isso oferece vagas na creche para as mães trabalharem, cursos profissionalizantes para adolescentes de risco social (de doze a dezoito anos); profissionalização para meninas que são convidadas ou já estão tendo iniciação na prostituição nas ruas ou em casas noturnas , e com todo esse trabalho, preocupa-se com uma abordagem para as famílias, tanto do ponto de vista preventivo para diminuir os casos de gravidez indesejada/na adolescência, paternidade não assumida e famílias constituídas sem planejamento e maturidade do casal, como de forma a realizar prevenção secundária de diminuição do dano físico, psicológico e social dos filhos de dependentes químicos ou de pais que sustentam uma relação descompromissada (pelo menos um deles ou às vezes os dois) e disfuncional.
A participação da disciplina de Políticas de Saúde como parceira da creche trouxe a possibilidade de inclusão ou acesso a pelo menos alguns serviços de saúde oferecidos pela instituição universitária. Além do exame de crianças, foi possível facilitar a marcação de consultas para crianças e adultos, funcionários da creche ou familiares das crianças ali atendidas e também, porque em certo momento das atividades, foi realizado exame parasitológico e tratamento de algumas crianças, seguidos de reuniões com cerca de 110 mães de cada vez para a divulgação dos resultados dos exames de saúde de seus filhos, como avaliação de evolução pôndero-estatural e algum encaminhamento consequentemente necessário, como realizar consultas médicas especializadas no complexo de ambulatórios da universidade, tomar medicação e sobretudo iniciar ou reforçar os hábitos básicos de higiene pessoal em casa.
Entretanto, com o passar do tempo, foi-se tornando cada vez mais clara a prioridade de abordar as famílias que, na verdade, estão por detrás da maioria das questões trazidas pelas crianças e passou-se a buscar um modelo de trabalho de educação em saúde para fais e responsáveis dessa clientela de quatro centenas de crianças.
Vários foram os caminhos percorridos até o presente momento. No início, além das reuniões com grandes grupos de mães, percebeu-se que elas eram úteis para a divulgação de informes mas não se constituíam em espaço adequado para problematizar e debater questões de forma ativa e participativa. Muitas mães ou avós permaneciam após o horário de atividades para dialogar sobre seus mais diversos problemas, desde desnutrição da criança, a abandono de ambos os progenitores para prestar cuidados e responsabilizar-se pela família, que recaía sobre os avós, entre muitos outros. Dessa forma, para não alongar o horário de trabalho além do expediente normal, passou-se a agendar um atendimento individual com a médica docente responsável pela disciplina de política de saúde uma vez por semana após as dezesseis horas, em sala reservada na sede da creche. Mediante casos muito necessitados, chegou-se a efetuar visitas domiciliares, ora com os acadêmicos, ora com a direção da creche, para algumas famílias em situação de doença e impossibilidade de acesso regular aos serviços de saúde disponíveis. Observou-se que esse recurso foi útil para conhecer de perto os problemas de cada grupo familiar mas não foi muito eficaz para solucionar os problemas encontrados, muitos deles permeados pela dificuldade financeira característica de uma situação de pobreza extrema.
Em um segundo momento, tentou-se realizar reuniões em pequenos grupos e chegou-se a constituir grupos fixos de discussão referente a dinâmica das famílias, sobretudo aquelas com problema de dependência química em casa. Curiosamente, alguns funcionários da creche apresentaram interesse pelo tema e aos poucos a clientela principal passou a ser composta por eles e apenas por uma ou duas mães da comunidade. À mesma época, um grupo de formação em terapia familiar sistêmica, recebendo supervisão para treinamento em serviço, propôs, a partir da disponibilidade da profissional psicóloga terapeuta de família e de casal, a realização de assembléias de rede mensais entre as mães da creche, com a condição de substituir o trabalho de pequenos grupo semanal já em andamento. A assembléia de rede caracteriza-se por reunir um grande número de participantes (mães e funcionários) e, na hora de sua realização, escolher entre os presentes um tema entre os mais fáceis a serem discutidos pela comunidade. Após ampla discussão e possibilidades de solução para as questões, sugere-se que todos os participantes divulguem o tema para aqueles que não compareceram, para que a informação seja divulgada em rede. O método da assembléia de rede foi inicialmente aceito mas com o tempo as famílias reclamaram o desejo de retomar atividades em grupos menores com temática previamente estabelecida.
Atualmente, planeja-se um processo de capacitação de coordenadores de pequenos grupos que possam, de posse de um roteiro e um treinamento prévio, abordar aspectos fundamentais de promoção a saúde da família disfuncional, quais sejam: Meu genograma – minhas raízes; Sou gente – não sou gente; Meu comportamento positivo/negativo; A quem eu quero mudar; Os papéis em minha casa; O que posso mudar e o que preciso aceitar; Auto-estima; Responsabilidade familiar e social; Avaliação. O método a ser utilizado consiste de meia hora de exposição de princípios de prevenção e promoção à saúde e uma hora de discussão em grupo para compartilhar experiências sem pretensão de alguém dar conselho para outrem. Ao final da reunião, cada um, por si próprio, estabelecerá metas semanais para se auto-educar, partindo do pressuposto de que corrigindo nosso próprio comportamento estaremos interferindo positivamente no comportamento de todo o grupo familiar.