Introdução
Conhecer as possibilidades de ouvir que um paralítico cerebral apresenta pode contribuir fundamentalmente para a sua reabilitação uma vez que esse problemas podem se associar a problemas de linguagem.1-3
Além do comprometimento motor que podem trazer dificuldades da construção do espaço e suas relações refletindo em prejuízo no desenvolvimento das funções lingüísticas, podendo ocasionar lacunas nas áreas perceptual, cognitiva e social.1,5No entanto, na rotina clinica as dificuldades motoras podem impedir uma avaliação completa da audição desses indivíduos.
Este trabalho é parte integrante de um estudo que objetiva avaliar a compreensão lingüística de conteúdos verbais e o processamento de informações auditivas em paralíticos cerebrais em que foi observado uma não associação entre presença de perda da audição e queixa dos profissionais, familiares ou cuidadores. Isto nos ,fez refletir sobre essa interferência no desenvolvimento global do paralítico cerebral. Com este intuito este estudo foi delineado e tem por objetivo avaliar o processo de recepção, quanto aos aspectos auditivos e lingüísticos de paralíticos cerebrais sem queixas de problemas auditivos.
Material e método
a) Considerações éticas
estudo realizado seguindo os critérios éticos da Portaria 196/96 do Conselho Nacional de Saúde no que se refere a pesquisa que envolve seres humanos.
b) Participantes
67 indivíduos de ambos os sexos (33 do sexo feminino e 34 do masculino), na faixa etária de 7 a 16 anos e dez meses de idade cronológica. atendidos na Clínica de Educação para Saúde (CEPS) da Universidade do Sagrado Coração portadores de paralisia cerebral com diagnóstico confirmado via laudo médico sem queixas de alterações auditivas foram elegíveis para este estudo. Os indivíduos foram reunidos em quatro grupos:
Os dados foram computados e as notas foram somadas e feito um levantamento das respostas. O indivíduo poderia ter escore variando de zero a 90 pontos, e classificados como nível bom: de 90 a 72; satisfatório de 71 a 45; e insatisfatório, abaixo de 44.
d) Equipamento usado
AZ-7r INTERACUSTIC, calibrado segundo os padrões ANSI 3.6/ ISSO 389: Audiômetro GSI-61 WELCH- ALLYN, fone TDH - 50 PE coxin MX-41AR, vibrador RADIOLAR B-71, Microfone de ELETRETO para o indivíduo; fone e microfone de ELETRETO para o examinador, calibrado no padrão ANSI 3.6-ISSO 389.
e) Análise estatística dos dados
Realizada por meio de testes não-paramétricos, Kruskal-Wallis e Wilcoxon, com calculo de medidas descritivas: mediana e percentis 2.5 e 97.5. Fixou-se em 0,05 ou 5% (<0,05) o nível de rejeição da hipótese de nulidade, assinalando-se com um asterisco, o valor significante.
Resultados
Em pelo menos metade da casuística avaliada foram constadas perda auditiva em pelo menos uma freqüência sonora. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre a perda auditiva observada à orelha direita esquerda e entre os diferentes grupos da casuística avaliada. A curva audiométrica foi caracterizada por apresentar, predominantemente, configuração descendente e simétrica em ambas orelhas. O diagnóstico da perda auditiva encontrada nessa casuística , não havia sido feito anteriormente e apenas foi constatado neste estudo. O inventario receptivo mostrou predomínio de bom desempenho nos diferentes grupos estudados, a capacidade de expressão oral melhor para o grupo de hemiplégicos espásticos.O grupo de quadriplégico espástico foi o que apresentou pior perda auditiva e recepção lingüistica. Os fatores que mais se destacaram durante o nascimento dos participantes desse estudo foram prematuridade, hipóxia e uso de isolete.
Tabela 1. Ocorrência de perda auditiva para a orelha direita.
Tabela 2. Ocorrência de perda auditiva para a orelha esquerda.
Figura 1. Ocorrência de perda auditiva de acordo com o tipo de paralisia cerebral diagnosticada.
Tabela 3. Teste Wilcoxon para comparar as orelhas direita e esquerda.
Figura 2. Mediana dos limiares de audibilidade dos indivíduos que tiveram pelo menos uma freqüência abaixo de 20 dB, considerando as freqüências de 0.25 a 8 kHz, para a orelha direita.
Figura 3. Mediana dos limiares de audibilidade dos indivíduos que tiveram pelo menos uma freqüência abaixo de 20 dB, por freqüências (0.25 a 8 kHz), para a orelha esquerda.
Tabela 4. Ocorrência de tipo de configuração da curva audiométrica para a orelha direita.
Tabela 5. Ocorrência de tipo de configuração da curva audiométrica para a orelha esquerda.
Tabela 6. Ocorrência de perda auditiva do tipo unilateral ou bilateral.
Tabela 7. P valor do Teste Kruskal-Wallis para comparação da sensibilidade auditiva entre os grupos, separadamente por orelha.
Tabela 8. Idade do Diagnóstico da Perda Auditiva.
Figura 4. Grupo de indivíduos segundo o desempenho: bom, suficiente e insuficiente para inventário de linguagem receptiva.
Figura 5. Grupo de indivíduos segundo níveis para a capacidade de expressão oral.
Tabela 9. Freqüência em valores absolutos e relativos dos fatores apontados como prováveis responsáveis pela paralisia cerebral.
Discussão
Foram constatadas perdas auditivas em 51% dos indivíduos quadriplégicos espásticos, 22% diplégicos espásticos, 6% dos hemiplégicos espásticos e 39% dos quadriplégicos atetóides. O grau variou de leve a moderada, em todos os tipos de paralisia cerebral, sendo de grau severo apenas no grupo de quadriplégicos espásticos. A literatura apresenta estudos informando a ocorrência de perdas auditivas, em graus variados, nos paralíticos cerebrais.1,9,10,12,13,15 As perdas auditivas passaram despercebidas para os familiares nesse grupo avaliado. Não foi considerado pelos pais que as dificuldades de expressão poderiam estar relacionadas a aspectos auditivos, principalmente por que este tipo de perda auditiva pode afetar a discriminação sonora. Assim, as falhas dos filhos em atividades auditivas, como por exemplo, localizar a fonte sonora, eram vistas como parte da dificuldade motora da paralisia cerebral Outra questão interessante, diz respeito à configuração da perda auditiva que mais ocorreu, ou seja, na perda com configuração descendente, as alterações previstas, do ponto de vista receptivo dizem respeito, principalmente ao processo de discriminação, visto que as freqüências da fala estão íntegras. Cabe ressaltar que, devido a dificuldade do paralítico cerebral responder aos testes auditivos, por necessitar de respostas motoras e controle deste na cabina acústica, as avaliações audiológicas podem ser realizadas respeitando, somente as freqüências da fala, e, considerando o tipo de curva encontrada, o diagnóstico é falso negativo.
Quanto a análise do inventário receptivo, os quadriplégicos foram os que tiveram pior desempenho, seguido dos outros grupos com desempenho estatisticamente equivalentes. A maior dificuldade, quanto aos aspectos receptivos dizem respeito a conteúdos não concretos e de vida diária. Quanto a expressão, observou-se que o grupo dos quadriplégicos apresentaram maiores dificuldades, isto já previsto na literatura, uma vez que, há influências negativas do déficit motor, na expressão oral.6, 9, 21-23
Comentários finais
Considerando a importância de que o diagnóstico seja efetivado o mais precocemente possível, tanto para a paralisia cerebral quanto para a deficiência auditiva, faz-se necessário que os profissionais que atuam na área se atentem para esta relevante questão e tenham condutas clínicas precisas, pois as alterações auditivas somadas à paralisia cerebral trarão interferências negativas para o desenvolvimento integral das habilidades lingüísticas e comunicação destes indivíduos.